terça-feira, 16 de outubro de 2007

novos contos da montanha

C. nasceu com a vista cansada e com a capacidade de se parecer mongolóide quando usava boné da Dyrup, a 6 metros de distância. Não usava boné a 6 metros de distância, parecia era mongolóide quando avistado a 6 metros da distância e de boné, particularmente os da Dyrup, brancos por cima e cor-de-laranja dos lados e na pala. Aos 12 anos, descobriu o esperma e que era bom roçar-se naquelas varas do meio do autocarro, literalmente em hora de ponta. A doença da moda ainda eram as bexigas. “Como o Pedro cá de baixo, que teve bexigas”. O cancro ainda estava longe de ser o novo preto e o meu avô ainda não tinha tornado os AVCs, em público (que o meu avô era um artista), na next big thing, assim uns Radiohead mas com talento. A SIDA ainda só era doença de pretos e de paneleiros e apanhava-se no meio do mato e em banhos turcos. Cresceu feliz, como todos os miúdos que têm um ZX Spectrum e que descobrem as ilimitações de poder passar um fim de semana inteiro a jogar computador e a “puxar a pele para a frente e para trás” como um dia lhe perguntou o seu tio Américo, que tresandava a sardinha e a vinho tinto e tinha os tomates tão pequeninos que pareciam um pipo daqueles bonecos de encher. Passava os fins-de-semana em Samora Correia, terra do Moura, o Bruce Lee do Lumiar, que um dia vimos a levantar-se do chão, de costas, como faz o Van Damme e aquele do wrestling que não é mais do que dar assim um esticão e pôr-se de pé num salto. Não pareceu mais que um tipo com uma t-shirt do surf a roçar-se pelo chão, como fazia a Marta não sei o quê que era uma gorda que se mijava todos os dias e cheirava a flúor e que teve 1 a ginástica porque se cagou, com o esforço, do cimo do espaldar em repuxo para cima do aquecedor a gás, onde o vizinho (isto já faz parte da história de Samora Correia e não do repuxo), operado à cabeça por ter um quisto que lhe deformou a cara, lhe mexia “lá em baixo” em troca de tangerinas e de não levar com um pau de vassoura na cicatriz do tamanho duma bola de rugby. Que, vá-se lá perceber porquê, passou de desporto que ninguém vê (o rugby, não as tangerinas) a desporto que ninguém vê porque uma cambada de gordos incapazes da Universidade Católica (a Católica só forma incapazes e é, cada vez menos, segredo para alguém) fez o que nós, como povo, somos os melhores a fazer, perder. Não só somos bons como também nos orgulhamos disso. “Isso de ser bom e ganhar dá montes de trabalho”. Há anos que perdemos consecutivamente mas “saímos sempre de cabeça erguida” como se dizia das inúmeras selecções de futebol ao longo dos anos, treinadas por perdedores natos, como o António Oliveira, o Carlos Queiroz e o Artur Jorge.
A crueldade das crianças é sempre paga a dobrar ou, como se diz na América e por outras palavras, “what goes around comes around”. A Vanda, por exemplo, tornou-se mãe aos 22, as mamas cresceram-lhe que nem badalos e sofre de alopécia. Mesmo assim deixou o cabelo comprido porque lhe dizam “ficas bem. Pareces o tipo dos UHF”. Tudo porque me pediu mil escudos emprestados e depois só me pagou 500 e disse “ah, eu depois pago o resto”, a pega. Mas eu tive a minha pequena vingança pessoal. Provavelmente, foi também Deus que me obrigou a fazer isto. Porque Deus não se engana e muito menos joga aos dados, quando muito roleta. Que as odds são muito maiores. E sim, esporrei-me nesse lápis que me pedias emprestado e que metias na boca. O salgado não era “do interior do estojo” e muito menos aquela “crack ho” do Porto que o Pinto da Costa andou a espetar.
C. olhou-se, novamente, em frente ao espelho, para as mamas que cresciam. Eram em bico e lembravam dois cornetos virados ao contrário. Temia que lhe chamassem “Lolita” na escola, mas sentia-se divido se fosse convidado para a “Blond ambition tour” da Madonna em que ela tinha aquelas ceninhas em que as mamas ficam em bico. Os gelados que comia antes do almoço (“depois não almoças e ainda te vais cagar que nem um cão nesses calções de banho”, disse-lhe eu porque sempre fui um bom amigo) começavam a fazer efeito. C. queixava-se que as suas primas podiam comer o que quisessem que não engordavam nada. I. era prima de C.. I. passava férias em casa de C. durante os primeiros 15 dias de Agosto, todos os verões. I. gostou de mim. Era daquelas da província que tinha o mesmo namorado desde os 14 anos, ia casar com ele e nunca levaria no cu e usava saias daquelas que voavam ao vento e mostravam as cuecas imaculadas de algodão com flores e ursinhos a cheirar a Presto e a corrimento. Li-lhe isso nos olhos (não as cuecas imaculadas de algodão com flores e ursinhos a cheirar a Presto e a corrimento, mas a cena de gostar de mim). E percebi o momento em que isso aconteceu. Estávamos na praia, de noite, a lua refletia a minha cara de metaleiro da Avenida de Roma e alguém queria chatear uns tipos que fodiam atrás duma cadeirinha branca de praia. E eu disse, embora a minha erecção já chegasse ao mar, como se fizesse aquilo muitas vezes, “epá deixem lá os gajos foder em paz que isto não é só atar e meter ao fumeiro”. I. percebeu que eu era do amor. Lia-me como um livro aberto. Sabia que eu ainda acreditava que poderia ser feliz. Que nem todas as gajas eram umas putas. Que isso do amor podia ser para sempre. Tinha 12 anos também. E o meu pequenino coração de princesa ainda não tinha sido atirado e espezinhado e pontapeado por esse chão que é a vida. I. estava constantemente com o período. Uma vez, durante um passeio pelas rochas, a mãe de C., F., que também dizia “isso as datas que eles põem nos iogurtes é só para dar uma ideia”, disse “cuidado não molhes a pachonga que ensopas o penso e depois já só tenho uma toalha”. Aproveitei estar no meio de azeiteiros para explicar (“ele que até anda na universidade”, diriam mais tarde) que as marés não passam de mulheres, com o período, a entrar e a sair de água. É raro algum conhecimento que não passe por esta família. A minha avó jurava a pés juntos, coisa que lhe deu jeito no funeral pois pudemos comprar um caixão mais pequenino que ficou muito mais em conta e se é para apodrecer mais vale um mauzinho e depois até deu para a piada no funeral “isto aqui cheira mas é um bocado a morto”, que a Manuela Moura Guedes tinha feito uma operação para coser a boca por dentro. E sempre que a Manuela Moura Guedes aparecia, a minha avó dizia “ela está muito melhor desde que fez a operação”. Por mais que tentássemos argumentar que aquilo não fazia sentido nenhum e que as bocas não se cosiam simplesmente por dentro como quem ata e põe ao fumeiro e que “mas se cosem por dentro, como é que metem para lá a agulha e a linha?”. “Com umas máquinas de costura especiais que os japoneses agora inventaram e que são próprias para os lábios”. Ou “por trás, pela cabeça, pelo pescoço. Eles agora, nos Estados Unidos, fazem de tudo”. Não haver espaço e a coluna vertebral, não eram problema. Desde que “eles agora até têm um supermercado onde vendem droga” qualquer coisa seria possível.
C. também foi para a universidade. Aquelas particulares onde se ensina a converter unidades e se passa com um teste de cruzes que incluem sempre as respostas “Luís de Camões” e “Afonso Henriques”, mesmo nos testes de Mecânica Aplicada I e Cálculo Numérico. Hoje tem um carro bom, mora num bom prédio com ar condicionado e aquecimento central e rapa os pintelhos. E eu o mais que faço, é apará-los à sexta quando penso que vou foder e abrir a janela quando tenho calor.

8 comentários:

Mlle. Lolita disse...

Welcome back, Juvenal, o Animal!

Anónimo disse...

Brutal...

Anónimo disse...

Bem-vindo de volta, rabeta de merda. Já tinha saudades de ir ao teu cú intelectual. Obrigado por seres como és ! :-D

Anónimo disse...

bhahahahhh

Anónimo disse...

Ainda bem que voltaste, estava mesmo para ir cagar à porta de tua casa quando decidiste regressar ... e que valente cagada teria sido, acrescento ... monumental cagada, digo ... real cagada com som, cheiro e cor ... do tipo ... alheira de mirandela ... ao som de Tony Carreira e a cheirar a rosas ... que bela merda, não é ? Fode-te e continua a escrever. ;-)

Sr. Bastonário disse...

E dão os gajos o Nobel a uma velha que fala de cães e gatos quando podiam dar a alguém que fala de algo importante como corrimento.

Anónimo disse...

HAHAHAHA genial!

Anónimo disse...

Life's a bitch... They say..
Mas ainda bem que não deixas de escrever por causa disso.

Um dia quando for grande tambem gostava de saber escrever assim..

Simplesmente genial