quinta-feira, 31 de março de 2011

street halo

Está um homem a correr à volta do prédio. Acho que lhe vou chamar um táxi.

terça-feira, 29 de março de 2011

e

Dei uma festinha no cão da minha vizinha fufa e fiquei com os dedos a cheirar a cãona.

flicker & flutter

A minha namorada ignora-me porque sou demasiado infantil. Mas eu ignoro o fato de ela me ignorar e por isso cancela.

segunda-feira, 28 de março de 2011

domingo, 27 de março de 2011

sábado, 26 de março de 2011

ableton

A Time Out Porto só tem a contracapa e o agrafo de cima.

a sul

Montei a prateleira à minha namorada. Chama-se espanhola.

terça-feira, 22 de março de 2011

kissy baby

O Rui Pedro Tendinha é tudo o que eu sempre quis numa gaja. Cinéfila com grandes mamas.

outside chance

Crédito mal parado é favor. Atualmente, é crédito em segunda fila em cima duma passadeira e uma roda no passeio.

i want oblivion

Ontem de noite mandei a foda da vida dos meus vizinhos de cima.

ambivalence

O meu telemóvel tem mais riscos que uma noite de sexta-feira da Sofia Aparício.

segunda-feira, 21 de março de 2011

joe valdez

Estive num bar tão cheio que me lembrava quando ia ao pediatra e fazia aquele teste em que só os tomates mexiam.

sexta-feira, 18 de março de 2011

happy coding


Catch ex As Exception
Response.Write("FUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUCK!")
End Try

enola gay

O Jorge Palma estava com uma broa tão grande que o molharam em sopa de feijão.

quinta-feira, 17 de março de 2011

es mejor dejarlo como está

O senhor António morreu e foi para o céu.

Na altura, não era uma coisa que lhe desse muito jeito fazer até porque não lhe convinha deixar a casa tão desarrumada, mas como era uma pessoa pouco dada a esforços e a combater a inércia do destino, deixou-se ir e morreu mesmo. Não havia nuvens nem anjos. Apenas uma sala. Uma sala que mais parecia uma sala de espera de um médico daqueles do privado podem pagar rendas altas em prédios de janelas de madeira onde o frio entra por todo o lado como etíopes atrás de comida. Com aquelas coisinhas em forma de cobra que se metem nessas partes para impedir o frio de entrar. Eu sei porque passei parte da minha infância num sítio desses e, apesar do frio, eram coisas com que podia brincar. Tinha-se era de ter cuidado com aquele candeeiro do corredor comprido que percorria a casa e que, uma vez, apareceu partido e depois não tinha sido ninguém. Mas fui eu. Não disse porque havia arroz doce para o jantar. E há quem faça tudo por um prato de arroz doce.

A sua opinião mudaria. Como aquelas casas que se vai ver e por fora parece que não são nada de jeito mas depois quando se entra fica-se logo a pensar o contrário e se diz “ai eu por fora não dava nada por isto mas agora a história é outra” e depois dá-se um estalinho com a língua como quem terminou uma frase daquelas que se acha logo que vai ficar na história mas, o mais provável, é não ficar.

Entrou e lançou um olhar em volta. Que depois foi apanhar quando, de seguida, se sentou num sofázinho que havia na sala mas cuja acção só vai acontecer no parágrafo seguinte. Isto sou eu a dar cabo do que se vai passar no parágrafo seguinte e, por isso, se quiserem, podem saltá-lo. Embora eu avise, desde já, que tem ali passagens boas mas não necessárias para a total compreensão desta história.

Contou quatro pessoas. Cinco com ele. Como costumava sempre acrescentar nas histórias que contava. “Éramos seis. O Artur das Micas, o Sérgio, o Martim, o Rente, o Correia e o Inspetor. Sete comigo”. Isto porque achava necessário para o real entendimento de uma história, o saber ao certo quantas pessoas nela entravam, mesmo que, só duas participassem activamente nesta. “Então vai o Rente e diz que queria um bife da casa mas só se não for duro como tijolo e rimo-nos todos”. Todos os sete. Embora se pudesse reduzir a história só à parte em que o Rente pediu um bife da casa e fez uma graça com o tijolo e toda a gente se riu. Mas o senhor António não era de reduzir. A não ser quando queria ultrapassar numa subida. Ou fazer um daqueles estacionamentos em que a pessoa mal ajeita o carro. É, tipo, chegar e meter. E fica-se a parecer que se estaciona muito bem e que, ao mesmo tempo, se é falso displicente. Um Hélder Postiga da condução.

“Boa tarde”, disse para toda a gente e para ninguém. Uma senhora, no canto, levantou a cabeça. Percorreu com os olhos o senhor António e disse qualquer coisa que este não percebeu. De resto, foi ignorado. Nem tinha escolhido a roupa de morrer. Só tinha tirado uns trapinhos do armário porque tinha a manhã ocupada e, de tarde, tinha planeado ler o jornal na companhia de uma carcaça barrada nas duas partes de dentro. Com manteiga daquela a sério. Há pessoas que quando saem de casa não estão a contar morrer e depois acontece isto e é uma maçada. Tinha a camisa da nódoa. Uma que usava só com aquelas calças que tinham a cintura subida. Daquelas nódoas que um gajo faz quando pensa que consegue levar a colher do tacho até à boca para “ver como está de sal” e quando se está mesmo, mesmo a conseguir solta-se um pingo de gordura, qual pingo de merda líquida numa fralda de velho, que é rapidamente absorvido pelo tecido. Ainda pensou que saía. Mas não. Tentou tudo. A solução foi comprar umas calças daquelas de catálogo de cintura subida e pregas. Porque a camisa era demasiado boa para deitar fora. Como lhe explicou a mulher.

Sentou-se. Pegou numa revista que estava à mão e começou a folheá-la porque é isto que as pessoas fazem quando há revistas e uma espera pela frente. Se tivesse trazido uma caneta, começaria a encher tudo o que fosse letras que dessem para encher. Os ós, a parte de dentro dos pês. Corações nas pintinhas dos is. Óculos nas fotografias das pessoas. Um dente a menos. Uma cicatriz. Essas coisas que as pessoas que sabem aproveitar a vida fazem para se divertir.

A revista era americana e tinha notícias sobre a Rússia e mísseis e pessoas com manchas na pele. “É como ir ao médico”, pensou. Sorriu por dentro e ter-se-ia dado um abraço a si próprio se estivesse sozinho. Mas não estava e era muito self-conscious. Que é uma palavra estrangeira já com vista à internacionalização. Era daqueles que pensa sempre que tem um macaco a sair do nariz quando sente o olhar das outras pessoas fixo no lábio de cima. A meio de uma conversa. E, depois, quando limpa com um papel, acha que ainda fez pior. Que empurrou o macaco até àquela partezinha de dentro do olho que é vermelha e que dá comichão de vez em quando. Não por causa de levar com um macaco. É só uma cena que ela faz sozinha. E, às vezes, quando a pessoa menos espera. O que não dá jeito nenhum. E depois o que se faz? Coça-se. E depois ainda fica pior e mais vermelho. Até alguém dizer “fónix, já viste o teu olho?” e fica-se um bocado sem saber que responder. “Pois comecei a coçá-lo e agora vê como está”. “O melhor é ires ao médico”. “Eu cá só vou ao médico quando for para um morrer. Um gajo agora fica doente e metem-nos logo um dedo no cu”. E toda a gente se ri e torna a pele um pouco mais engelhada.

A senhora do canto não parecia nada quem tinha morrido. Estava com bom ar, inteira e de saúde. Tinha daquelas franjas que por trás têm outro bocado de cabelo que faz uma espécie de hélice. Usa-se muito na função pública e nas professoras de francês. É daqueles tratamentos que se faz ao cabelo que se está mesmo a pedir uma calvície precoce e que se vêem muito naqueles autocarros suburbanos a ver-se o couro cabeludo vermelho e o cabelo a ralar como uma fatia de pão duro que depois serve para fazer panados de peru.

A meio da sala, estava um senhor de óculos. Alvo, agora, da atenção do senhor António. Que fazia as palavras cruzadas num jornal (o senhor dos óculos, não o senhor António, porque não tinha caneta, o senhor António, não o senhor dos óculos e não gostava muito de fazer palavras cruzadas, outra vez o senhor António e não o senhor dos óculos). Também não parecia nada ter morrido. “Estariam as palavras cruzadas na língua do senhor? Ou na língua do Senhor?“, pensou, rindo-se de seguida desta boa piada. Sem conseguir, no entanto, evitar um daqueles barulhos de suíno que costumava fazer quando se ria abruptamente e que irritava por demais a mulher. Esta, no entanto, nunca se queixou. Porque a terra do senhor António era uma terra à séria. E, nas terras à séria, as mulheres queixam-se para dentro e umas às outras e isso, na realidade, não interessa a ninguém. Até porque, como toda a gente sabe, as coisas que não interessam a ninguém, têm sempre associações e um dia dedicado.

Morrer parecia ser como entrar num filme. Onde se está logo arranjado. E começou a gostar mais disto de morrer. Não que, em algum momento anterior, tivesse começado a gostar menos, mas agora que pensava, sentia que estava melhor por dentro do que antes e, quando digo antes, refiro-me ao parágrafo inicial, porque ninguém sabe como o senhor António se sentia anteriormente a isso. Essa parte fica antes da folha de cima. Numa folha em branco que não usei porque não uso a primeira folha como não se usa a primeira carta no póquer.

Estava a gostar tanto que acho que, se pudesse, morreria de novo. E fez outro ronco ainda mais suíno que o primeiro. O senhor dos óculos levantou os olhos e os óculos do jornal, porque ainda não dominava a arte de mover os olhos e os óculos separadamente. E suspirou. Coisa que era bom a fazer e tinha treinado ao longo da vida. Era daqueles que não se queixava de nada mas que se fartava de suspirar.

Como estaria? Tentou procurar um reflexo. Em vão. Quem quer que tivesse decorado esta sala, “provavelmente o Espírito Santo”, pensou e sorriu tentando não se rir e ser novamente alvo do olhar e consequente suspiro do senhor dos óculos. Ou então “o menino Jesus”, como costumava dizer a sua avó quando se referia a um acontecimento do qual ninguém parecia culpado.

As mãos estavam como se lembrava. E a louvava agora a sorte que tinha tido de morrer antes que lhe aparecessem aquelas manchas amarelas nas mãos e evitar passar o resto da eternidade (que no fundo não era resto, era mesmo tudo (é como as fatias de bolo (meia fatia é sempre uma fatia (a não ser que se corte primeiro uma fatia e depois se corte esta mesma fatia ao meio mas no sentido transversal embora isto ainda esteja aberto a discussão) e fecha o último parêntesis) e fecha o terceiro) e o segundo dum lado e o primeiro do outro) assim. A olhá-las. A perceber que forma teriam. Como tinha o seu avô. “Esta parece-se com um senhor de lado a fumar cachimbo”. Manchas de quem já é velho e incontinente (“como o hipermercado mas ao contrário”, costumava brincar quando ainda estava na Terra - o planeta, e não a sua aldeia - se é que já não lá estava). As pessoas dizem que isso é fígado. Mas não é. Toda a gente sabe que o fígado fica por baixo do diafragma e não nas mãos. Muito menos em pequenas manchas amarelas. Qual pijama que não vê máquina de lavar há meses. Por esquecimento. Badalhoquice. Ou porque se fica à espera que seja a empregada a fazê-lo e esta acha que tem mais que fazer do que andar a trocar pijamas.

“O senhor Jorge Silva. O senhor Jorge Silva”, disse uma senhora que se aproximou da porta sem que ninguém desse por isso.

Todos levantaram a cabeça para o senhor Jorge Silva. Mas não ninguém se mexeu. Não teria o senhor Jorge Silva morrido?

O senhor que fazia as palavras cruzadas disse: “cinco horizontal: seis letras, sendo que a quarta é um quê...“.

“Um quê?”, perguntou a senhora que parecia que não tinha morrido.

“Quê de nove?, disse uma criança que ainda não tinha dito nada.

“Homessa. De nove? Quando muito seria éne de nove”, disse um senhor que o senhor António ainda não tinha visto e que usava “homessa” em todas as frases.

“Quê de quadro?”, perguntou o senhor António.

“Isso”, assentiu o senhor dos óculos, olhando para o senhor António com aquele ar de quem percebe que está a falar com pessoas de outra estirpe.

Não estava.

O senhor António sofria de hiperaudição. Uma condição consequente, julgava ele, de todo o processo que o levou a tornar-se o homem mais importante da terra onde nascera e morava. Mas enganava-se. Já se contava que o seu avô António ouvia tão bem que, uma vez, ouviu a mulher a pensar no que lhe ia comprar para os anos e quando ela lhe deu uma cuecas de algodão que tinha mandado vir da cidade, o avô António apenas se fingiu surpreendido. O mesmo das manchas e não o outro do outro lado da família. não se davam estes dois lados. Tudo por causa de uma perna de porco que o avô António tinha encomendado ao outro avô do senhor António e que o primeiro dizia ter pago tudo e o outro dizia que ainda faltavam quinhentos escudos. E quinhentos escudos, na altura, era muita coisa. Não é como agora que, com quinhentos escudos, nem presunto daquele já fatiado em embalagens compridas se consegue comprar.

“O senhor Jorge Silva?”, repetiu a senhora que tinha aparecido à porta.

“...filho de Caim e pai de Irade”, completou o senhor dos óculos. Dirigindo-se à senhora que tinha acabado de entrar: “ó minha senhora, não vê que estou a terminar uma coisa?”

“O senhor doutor não pode esperar”, disse, “se quiser posso passar uma pessoa à frente”.

“Homessa, eu posso ir já”, disse o senhor que o senhor António, até há pouco, não tinha visto e que gostava de dizer homessa.

“Enoque”, respondeu a senhora que parecia que não tinha morrido.

“Não tenho aqui nenhum Enoque”, disse a senhora que tinha aparecido à porta sem que ninguém tivesse dado por isso.

“É isso!”, disse o senhor dos óculos terminando as palavras cruzadas. Carregou na parte de cima da caneta. Esta fez *clique* e guardou-a no bolso da camisa ao lado de outra que parecia gémea (“provavelmente uma lapiseira”, pensou o senhor António e, se assim fosse, “bem que podia ter feito as palavras cruzadas a lapiseira para depois, se mais alguém as quisesse fazer, pode sempre apagar”) como todas as pessoas importantes têm. Poisou o jornal, com movimentos largos e de quem consegue terminar as palavras cruzadas todas sem ajuda (o que não era verdade porque não sabia a do Enoque) e dirige-se à porta.

O senhor que há mais um bocado ainda não tinha dito nada mas que gostava de dizer homessa, sentou-se de novo. E disse um “homessa” para dentro. Para dentro dele. Não para dentro da sala. Por isso as outras pessoas presentes não poderiam saber que ele o disse mas eu posso até porque fui eu que escolhi que ele dissesse “homessa” muitas vezes.

A senhora que tinha aparecido sem que ninguém desse por isso, desviou-se, deixou o senhor dos óculos passar e encaminhou-o a uma porta no fim do corredor.

Tudo voltou ao silêncio.

O senhor António pegou, novamente, na revista. Passou os olhos por umas imagens e deixou os pensamentos vaguearem. Tentou recordar-se do que tinha acontecido. Do que o tinha trazido aqui. De como isto, este céu, era diferente de tudo o que alguma vez tinha imaginado. Para o senhor António, morrer sempre tinha sido como daquela vez em que ficou fechado na despensa quando os pais tinham saído. O barulho do trinco e a rápida realização de que aquela porta não abria por dentro. Silêncio e escuridão. E, por fim, o esquecimento.

Lembrou-se de parte da sua infância. Infeliz, por não ter com quem brincar. Feliz, por viver no campo e poder passear e mergulhar na água fria do rio e não ter quem lhe apontasse os tomates, quando saía da água, ressequidos que nem passas.

Apenas uma prima que vinha no verão e por quem o senhor António, que na altura ainda não era senhor mas sim menino, menino Toninho, para não fazer confusão com o pai e o avô que eram ambos António, sentia qualquer coisa que não sabia explicar. Era parecido com o que sentia pela televisão e pelas sandes de marmelada que comia a meio da tarde mas mais entre os pulmões e o diafragma e também em lado nenhum. E não o deixava dormir. Como as otites mas em bom.

Um verão, ela deixou de vir.

E o senhor António, que na altura ainda não era senhor mas sim menino, menino Toninho, para não fazer confusão com o pai e o avô que eram ambos António, ficou muito triste. A dona Alice (e abre-se aqui um parêntesis (que pode ser o primeiro, mas já não é porque se abriu ali outro mas nada como a confusão de há bocado), que cuidou do senhor António, que na altura ainda não era senhor mas sim menino, menino Toninho, para não fazer confusão com o pai e o avô que eram ambos António, que era tão antiga que se dizia ter privado com dinossauros e que, nesse tempo - no dos dinossauros e não no tempo em que o senhor António era menino, menino Toninho, para não fazer confusão com o pai e o avô que eram ambos António -, se usavam uns sapatos especiais porque a Terra ainda não tinha secado e que aquela coisa de se espetar um palito nos bolos a ver se já está, veio dessa altura que as pessoas espetavam pauzinhos no chão a ver se já podiam tirar os sapatos que tinham para começar a usar saltos e ténis e botins e chinelos daqueles de meter o dedo. Não a dona Alice. Que sempre tinha usado uma espécie de sandálias que também eram pantufas e que também eram meias de descanso) disse-lhe que haveriam mais primas por quem o senhor António, que na altura ainda não era senhor mas sim menino, menino Toninho, para não fazer confusão com o pai e o avô que eram ambos António, se haveria de apaixonar. Não teriam de ser necessariamente primas. “Porque podem ter filhos enjeitados”, acrescentou, como tinha acontecido uma vez na terra da dona Alice onde uma prima tinha engravidado de um primo que era deficiente e tiveram um filho anão que, os pais com a vergonha, decidiram fechar numa arrecadação na qual viveu toda a vida. E ninguém se importou muito.

Logo o senhor António, na altura menino, menino Toninho, para não fazer confusão com o pai e o avô que eram ambos António, se sentiu melhor.

Um dia haveria de “ir ao casamento do menino”, dizia a dona Alice. Com sapatos “daqueles das revistas” . Mesmo que os joanetes não deixassem. Os joanetes que mais pareciam um sexto dedo do pé. Joanetes tão grandes que, por certo, serviriam para pedir boleia com os pés, caso ela quisesse e caso as pessoas parassem ao pé de alguém a tentar pedir boleia com os pés.

A criança do quê de nove levantou-se. Devia ser a sua vez. O senhor António não reparou. Perdido nos seus pensamentos. A senhora que tinha aparecido na porta tocou levemente na cabeça da criança e levou-a para dentro. De novo a porta se fechou e o silêncio que vinha de trás se manteve.

Ainda esperou mais dois verões e nada. Até que o senhor António, na altura menino, menino Toninho, para não fazer confusão com o pai e o avô que eram ambos António, se começou a esquecer. Também se tornou um homem. Já usava camisas como o pai. Mais tarde um colete. Com um relógio de fio. E tinha o seu próprio canivete para cortar o queijo de ovelha que se fazia na terra. Que, toda a gente sabe, para se ser da terra, é preciso um canivete daqueles de abrir e ir fazer qualquer coisa que inclua comer queijo de boca mais ou menos aberta enquanto se diz frases daquelas que toda a gente sabe que são verdade de um modo pausado, sério e profundo.

Não foi o passar dos anos que tornaram o senhor António a pessoa mais importante da terra onde vivia. Normalmente é assim. uma pessoa nasce, vai vivendo e fazendo coisas, comprando e vendendo gado, terra, mulheres, e, um dia, acorda e é importante a sério.

O senhor António não.

Sempre foi normal.

Sempre foi o senhor António.

O que o levou a tornar-se a pessoa mais importante da terra onde vivia foi um simples acontecimento.

O senhor António gostava de galões. Todos os dias, já de tarde, ia lá ao café da terra dele e pedia um galão e uma torrada com as pontas aparadas. Tentava desta maneira ser diferente. Mas as pessoas só diziam que devia ser paneleiro. Por causa das pontas aparadas. O truque estava no galão. Da maneira como iria diferenciar o galão que saía da máquina e o galão que vinha da cafeteira.

Até aí, as pessoas apontavam. Ora para a cafeteira, ora para a máquina. O que tornava o processo mais complicado e a necessidade de facilitar. O senhor António tinha uma lista em casa. Uma lista de como pedir o galão e fazer história. Um galão a trote. Um galão espanhol. Um galão de tronco. A lista era grande. Um dia, soube como pedir. Saiu de casa com o melhor fato. Chegou ao café lá da terra dele. Chegou-se ao balcão e quando ia pedir, o senhor Gomes diz “o costume?”. E apenas abanou a cabeça que sim. Nunca um galão lhe soube tão pouco a galão. Molhou a torrada à pressa. Empurrou com o galão. Formou aquela pasta que as pessoas que apanham o comboio suburbano e são amantes de galões e torradas de carcaça com margarina fazem. Sorvendo o leite. E permitindo o estudo da digestão de diversas formas. Voltaria no dia seguinte.

“A senhora...”, chamaram. E lá se levantou a senhora que parecia que não tinha morrido e fez o mesmo percurso que os outros antes dela tinham feito.

Nessa noite não dormiu.

Levantou-se cedo, para apanhar o primeiro turno. O período da manhã. Quando o café enchia antes do trabalho.

Chegou-se ao balcão, pigarreou e largou aquelas palavras que as pessoas não esqueceriam mais. “Era uma torrada e um galão directo. Di-rec-to. Disse eu”. Os seus olhos brilharam. Primeiro fez-se silêncio. Depois um burburinho. E as pessoas olharam-no. E as pessoas perceberam que a história se fazia ali. O empregado, que era novo, ficou a pensar se não seria um louco. Um louco da cidade. Se aquele pedido não seria uma coisa nova que bebessem por lá. E quando se preparava para dizer “isso não temos” já o senhor António apontava para a máquina do café. As pessoas ainda não sabiam o que era um galão directo, apesar de já haver máquinas de café e o processo de misturar café no leite fosse sobejamente conhecido. Chamavam-lhe galão de máquina. Que era assim que se chamava na cidade. Dizia o senhor João, marido da dona Alice, que tinha ido lá uma vez comprar uma borracha daquelas que se mete nas torneiras para vedar porque tinha tido um problema com uma torneira que afinal não era da torneira mas de uma goteira do lado de fora da casa e, mais tarde, descobriu-se que o senhor João tinha inventado aquilo para poder ir à cidade ter com uma amante que tinha conhecido num daqueles clubes de correspondência. O galão directo estava para o galão de máquina como a imperial estava para o fino. Toda a gente que tivesse visto o senhor António a pedir um galão directo saberia que, numa questão de anos, ninguém mais pediria um galão de máquina, mas sim um galão directo. A não ser que não se gostasse de cevada. Ou chocolate. Nesse caso pedir-se-ia um copo de leite com cevada ou chocolate. Ou outra coisa. Há quem só peça um pastel de nata. O que não é boa política porque agora parece que comer açúcar em jejum pode levar à diabetes. Que soa muito melhor quando se diz “os diabetes” e não a “diabetes”. Mas a pessoa cumpre.

Nunca ninguém naquela terra tinha inventado nada. E toda a gente disse que o senhor António ia ficar na história. Até mesmo a Esperança que estava lá para comprar duas carcaças, que afinal não havia e acabou por levar um pão de rabo que depois o marido não ia gostar porque ficava duro no dia a seguir de manhã e era preciso fazer em torradas que não eram do gosto do marido porque se desfaziam para a cama e depois picavam-lhe as costas, e que não gostava muito do senhor António porque a mãe se tinha aborrecido certa vez com a dona Alice pois uma dizia que se escrevia “telro” e a outra “tenro”, soube que ele ia entrar na história. Pelo menos, na história da pastelaria.

“Era um galão directo”, dizia-se.

Depressa se espalhou pelas terras vizinhas que o galão de máquina agora se passaria a chamar galão directo. Não era nada assumido. As pessoas apenas sabiam. E quem pedisse um galão de máquina era visto como quadrado. Excepto os quadrados que continuariam a ser vistos como quadrados. Mas também não faria mal porque os quadrados, e as figuras geométricas em geral, não pedem galões.

Até houve pessoas que começaram a beber galões só para poder pedir. O galão tornou-se comercial.

O senhor António vivia o seu momento de ouro. Pelo menos na medida em que se pode viver um momento de ouro quando se vive numa aldeia em que as fendas entre as paredes de granito são tapadas com estrume.

O senhor António teve todas as regalias de quem é importante. Metiam-lhe mais pão torrado na sopa. Cortavam-lhe fatias de chouriço mais grossas. Barravam-lhe a carcaça dos dois lados de dentro. E uma vez, até por fora mas isso sujou-lhe as mãos todas e então teve de pedir para não tornarem a fazer isso. E não fizeram.

Com o tempo, a história do senhor António espalhou-se. Havia quem dissesse que ele tinha quatro rins. Que dormia de pé. Que cada passo do senhor António correspondia a seis passos das pessoas normais. Havia quem dissesse que o senhor António tinha vendido a alma a um comerciante que de elixires em troca de um elixir capilar. Para não ficar com uma bola atrás. Entradas não se importava. Mas bola não.

Chamaram o senhor que começava todas as frases com “homessa” e cumpriu: “só agora? homessa. Isto a pessoa morre e ainda tem de esperar sabe-se lá porquê, homessa”.

E, como os outros antes dele, desapareceu na escuridão do corredor.

A inveja cresceu. A antiga pessoa mais importante da aldeia, ficava com enchidos de segunda. Finos como fiambre. Era olhado sem interesse. E as torradas voltaram a levar margarina.

Falo por experiência própria. Pode-se passar de margarina para manteiga. Mas nunca de manteiga para margarina de novo.

Um dia esperou o senhor António à porta de casa e cortou-lhe o pescoço como se faz às galinhas. Correu pela aldeia a gritar que era de novo a pessoa mais importante da aldeia.

Foi escorraçado e apedrejado pela população em fúria que chorava a morte do senhor António.

Este transformou-se em lenda.

A pastelaria onde o senhor António tinha pedido o primeiro galão directo passou a ter uma placa a dizer que tinha sido ali que o primeiro galão directo havia sido pedido. Pelo senhor António. Um filho da terra.

Uma caneca de galão em que a cara do senhor António tinha aparecido em espuma tornou-se objecto de adoração.

E ainda hoje lá está.

Chegou a sua vez. Poisou a revista. Levantou-se e olhou a sala agora vazia.

Encaminhou-se para o corredor. Passou o lado da senhora que aparecia sem que ninguém desse por isso e saiu para o corredor.

A porta foi fechada atrás do senhor António. Para ele, a eternidade, era poder passar os fins de tarde a molhar a torrada no galão e a fazer aquela pasta que as pessoas fazem quando sorvem o galão já com torrada na boca. Achou que deveria explicar isto. E explicou.

Se esta foi a sua eternidade, não sei.

hey, hey bunny

Se houvesse o campeonato europeu de deixar crescer as unhas dos pés, aposto que ficava isento da fase de grupos.

galilée mon amour

Agora pode-se gerar receitas com o blog. Carreguei e deu bacalhau à brás.

savage night at the opera

Não entendo a cena com os percebes. Se é para ficar com a boca a saber a mar por 30 euros/kg prefiro que me façam amonas que sempre fica mais em conta.

beautiful sleepyhead and the laughing yaks

Há tantos elos perdidos em Odivelas que dava para fazer uma pulseira à volta da Terra.

quarta-feira, 16 de março de 2011

take the world

Baltazar era tão preto que quando deu mirra a Jesus disse-lhe logo que era prenda de anos e de Natal.

terça-feira, 15 de março de 2011

dr. hubris and his vile of turpentine

Comi uma gaja com os pintelhos tão compridos que lhe ligaram da Juventude Comunista e dos anos 60.

domingo, 13 de março de 2011

marching bands of manhattan

Os japoneses levaram com um tsunami e o Carlos Castro com um Sony Vaio.

do

Uma gaja passou a noite inteira a enviar-me sinais. Provavelmente era melanoma.

quarta-feira, 9 de março de 2011

eno

Aposto que as obrigações do tesouro não passam por fazer a cama de manhã.

sun

Tenho tanta fome que devo ter o cabelo a encaracolar.

terça-feira, 8 de março de 2011

segunda-feira, 7 de março de 2011

8

A parte fodida dos galões é engolir o alfinete.

quarta-feira, 2 de março de 2011

666 conducer

Quando morrer quero deixar uma boa carcaça ou uma fatia pão de forma com manteiga só de um lado.

terça-feira, 1 de março de 2011

wolf & i

O dólar já recuou tanto que parece a linha de cabelo do Rui Unas.

give her everything

Jorge Jesus: socos sim, pontapés só na gramática.

cold sweat

Sou das poucas pessoas que já esteve na Madeira mas ainda não levou na cara do Jorge Jesus.