domingo, 9 de março de 2008

discos pedidos ii

John Rambo


O coração das trevas

No meio das paisagens bucólicas e pastoris da Birmânia existe um coração maior que o mundo. Porque há coisas que nunca mudam. John Rambo não resiste a um pedido de ajuda. Venha ele duma loira da Igreja Ortodoxa Envangelista do Sétimo Dia ou de um birmanês sem uma perna. “Então mas o Nélson joga na Birmânia?”. Sim, digou eu. Faz lá uns biscates, nos tempos livres. E o governo de lá é assim mais ou menos como o Paulo Paraty. Finge que não vê para depois ter direito a uns pneus recauchutados e uns garrafões de vinho tinto.
John Rambo está reformado. Sabemos que está mudado. Percebe-se quando se ouve a música do Rambo I tocada numa bucólica e pastoril flauta de pã. Tem um bote (bucólico e pastoril), com um telhado de colmo, apenas bucólico. Faz pesca desportiva com um panamá cor de amêndoa, apenas pastoril, apanha cobras com as mãos for the fun of it e vende-as a um tipo que faz umas cenas que não se percebe bem e que um gajo pensa “vê-se mesmo que isto era mesmo só para meterem o Rambo a apanhar cobras com as mãos”, vive pacífica e bucolicamente nas paisagens pastoris da Birmânia. Está em paz, uma paz pastoril e algo bucólica. Com ele próprio, com o mundo, com o Coronel Trautman. Isso de fazer “coisas à Rambo” era dantes. Era como na escola. Quando se ia “à Rambo” fodia-se logo. “Fostes à Rambo fodestes-te”, dizia o Chico. O Sacana uma vez “foi à Rambo” ao Cão e levou com um saco de ginástica na fronha e ficou sem dois dentes da frente. Ou quando o Barroso, que era surdo e uma vez a Almôndega que era professora de português lhe perguntou “és surdo ou quê?”, nos levou a fazer paintball a todos (isto antes de ele e o Seiça se tornarem inimigos porque o Seiça foi operado ao cu e quando ainda tinha os pontos foi apanhado a mexer no estojo do Barroso que lhe “foi à Rambo” com um biqueiro na peida que lá foram os pontos e depois teve de andar com um penso higiénico masculino durante o terceiro período – ou um european menstrual pads, como se diz na América) ali ao pé de Sintra e eu estava sempre a perder porque estava sempre a ir “à Rambo”. “Ir à Rambo” nunca era coisa boa. É só para quem sabe. Só o Rambo sabe ir à Rambo, and gets away with it. Talvez o Chuck Norris também vá à Rambo. Ou se calhar vai só à Chuck Norris. Mas ir à Chuck Norris nunca pegou. Quando muito um roundhouse kick. Mas isso de ir ir ir é só mesmo à Rambo.
O Rambo, no início, está-se meio a cagar. E diz coisas como “go home” ou “fuck the world”. Mas há uma réstia de bondade. Como havia no Darth Vader e até mesmo no Vasco Pulido Valente. Se se olhar bem de perto. Com um microscópio. E um tubo daqueles de fazer cenas com o esperma e óvulos e isso como se vê naquelas notícias sobre ejaculação precoce ou clonagem. Passa-se ainda algum tempo antes de encarnar a personagem. Primeiro são uns que aparecem e estão assim meio com cagufa de mandar uns tiros e um gajo topa logo. Mas o Rambo aparece com um arco e uma flecha e avia logo uns seis birmaneses de metralhadora. Sem grande esforço. Just keeping it cool. Os outros que estavam assim meio cagados começam a ver que o Rambo afinal é mesmo o que fez o Rambo I, até porque um deles é chinês e os chineses são assim meio cagões. Gostam é de chips e de bukkake. Consta que havia uma actriz americana que espalhava esperma todas as noites na cara porque achava que ajudava a manter a pele jovem. Já tentei convencer algumas miúdas disto, mas sempre em vão.
A cena de se ser velho é fodida. Eu se pudesse nunca seria velho. De me enrugar e ficar tipo o Kevin Costner que depois um gajo vai ao cinema e diz: “meu, isto era a cara do Kevin Costner ou era uma sandes de atum embrulhada em papel de alumínio com uma etiqueta a dizer Kevin Costner porque depois ele podia não gostar de maionese e eles vão todos à praia e marcaram as sandes para depois não terem de estar a desembrulhar e a afastar as fatias de pão para ver qual é a de quem”. Ou com a pele dos braços pendurada e a escorrer e a poder ficar presa nas portas dos elevadores com vontade de chegar lá e passar a ferro e prender com uma mola e esperar que se aguente. Ou então ter de usar ligaduras daquelas que não servem de nada a não ser para meter as veias e as varizes para dentro e evitar que expludam no Minipreço, na Loja do Cidadão ou na Segurança Social.
Mas se chegar aos sessenta espero chegar como o Rambo. Um gajo olha e diz “nada mau, for an old fart”. É estrangeiro. Significa “nada mau, para um peido velho”. É mais uma maneira de insultar velhos. Tenho-lhes cá um pó.
Depois juntam-se todos em grupo, como os escuteiros mas sem os calçõezinhos homossexuais e vão pelo meio da selva a cantar e a dançar até ao acampamento dos maus.
Como isto se passa lá num daqueles países onde é tudo barracos de palha e o comer é sempre arroz embrulhado em folhas de árvore e gajas sem soutien, tipo Gaia mas sem os fatos de treino, e que um gajo vê e pensa “what the fuck?”, num mapa provavelmente inventado ali a seguir à fronteira da Turquia e do Canadá, um bocadinho a sul de Paris, há sempre um tipo com uns Ray Ban que vai e decide matar toda a gente. Ter uns Ray Ban é um free pass para muitas coisas. Um gajo mesmo que apanhe o filme a meio olha e vê logo que o tipo dos Ray Ban é que manda naquilo tudo. Não é cá um chapéu ou umas estrelas. Eu cá, a ser morto a tiro, só mesmo por um tipo que transpirasse coolness com uns Ray Ban, mas ou aqueles de aviador ou outros mas duma colecção fixe.

Depois há daquelas cenas que costumam acontecer nesses países para essa zona, e em Gaia, absinto e violações em grupo. E depois quando se vai a ver já eles fugiram todos. E vão atrás deles num jipe e de Ray Ban, mas quer-me parecer que já não é o mesmo tipo que usa os Ray Ban no início. Distraí-me por momentos e perdi-me na complexidade do enredo. Depois tem uma parte muito bonita de luz, música e cor com muitos tiros e muitos membros a serem despegados de corpos de chineses ou birmaneses ou pessoas de Gaia que se perderam a caminho do “shopping”. Com o Rambo no cimo de uma colina bem pastoril montado numa metralhadora daquelas que um gajo pode comprar e meter assim num jipe a dar cabo dos birmaneses que faltam, que também não eram assim tantos porque o orçamento era reduzido e quer-me parecer que alguns deles morreram várias vezes.
No fim, percebe-se que ele é capaz de ter deslocado o ombro. Com o esforço. Afinal foi uma hora e meia de cenas à Rambo. E termina com um maravilhoso plano-sequência do John Rambo a percorrer o trilho de terra que o leva a casa do pai. Um enigmático R. Rambo.



John Rambo - :)

:O~ <- vómito (filmes tipo AI, Matrix 2 e 3)
:O <- filmes “preferia ter gasto a guita em cerveja, droga ou cigarros”
:| <- filmes “naquela”
:) <- filmes médio-fixe ou “nice”
:D <- filmes “cum gajo até acha que coiso e tal e diz aos outros para irem ver”
:D~ <- filmes que “sim senhoras”

14 comentários:

Anónimo disse...

Que injustiça. O árbitro é ladrão.
:) <- filmes médio-fixe ou “nice” de avaliação a uma pelicula que esteve para limpar o oscar de melhor filme, é no minimo comparavel à licenciatura do Socrates.
Nem o Platoon teve tanta mensagem como o John Rambo.
Atenção que não está posto de parte o RamboIV, li recentemente numa revista da especialidade.

1 abraço seu cabrão.

Nórdico disse...

bucólico ...

Anónimo disse...

"os outros que estavam assim meio cagados começam a ver que o Rambo afinal é mesmo o que efz o Rambo I"
emenda aí isso para não perderes a coerência.

Ivo disse...

és o james joyce português.
e digo isto sem nunca ter lido nada de james joyce.

Anónimo disse...

Só para deixar ums numeros sobre o Rambo

http://pensarcusta.wordpress.com/2008/03/12/sobre-os-tempos-de-hoje/

cumpz

R2D2 disse...

Foda-se! Que momento fixe de critica cinematográfica!

Anónimo disse...

lindo.

Anónimo disse...

ja nao se chama birmania. é myanmar. soa menos à terceiro mundo.

Anónimo disse...

Camilo Jose Cela a la Portuguese?

Anónimo disse...

aí que bufa bem mandada :-)

Lili disse...

Fantástico

João Paulo Veiga disse...

texto fantastico

Anónimo disse...

FDX, já depois de ter lido meio blog tinha deixar um comentário algures. Tropecei com isto assim naquela de "pesquisa estupida" de quem não tem nada mais que fazer e, já estou a ler há uma boa hora e meia.
Genial!
Tirando a tua notória adversão ao pobre do Stevie Wonder, és um gajo cheio de pinta para escrever e que, sem dúvida, o faz sem esforço e ainda se diverte à brava com isso.
P.A.L.A.A.T.S

GRAINOFSAND disse...

Ando a ler o Tarântula (Bob Dylan),e constato que o estilo chanfrado,destrancado da mola,absurdus delirium é muito parecido!!!!Boa mil vezes!!! Adoro isto "fosga-se"