Eu e a minha namorada do metal.
Só me apaixonei uma vez na vida. Tinha 17 anos. Era do metal. A minha banda favorita era os Helloween. Tinha calças de ganga elástica de verdade. Compradas na Praça de Espanha. Experimentadas dentro da cena de vender onde guardavam o filho, numa alcofa, que me deve ter visto os pintelhos a sair por fora das minhas cuecas dos desenhos. E uns ténis Reebok. Que comprei em segunda mão. Era mesmo do metal. Conheci a L. quando ela tinha 15 anos. Apanhávamos o mesmo autocarro para a escola. Já a tinha visto várias vezes. Sempre do outro lado da paragem. Com livros de poesia sobre vampiros. Em inglês. Nunca tive coragem de lhe falar. Até porque eu só lia os irmãos Hardy e o Adrian Mole. Um dia arrisquei com um "então?" e ela "então o quê?" e eu comecei a chorar e fui para casa a correr. No dia a seguir fingi que não a vi e entrei assim rápido no autocarro mas tropecei no degrauzinho e caí cá para fora de novo e ele arrancou e passou-me por cima da mochila e esborrachou-me a sandes de queijo que tinha para o meio da manhã e o pacote de Caprisone de maçã. Dois dias depois tentei de novo. Ia dizer qualquer coisa mas saiu-me um bocado de saliva pela boca que lhe aterrou no caderno e ficou a reluzir e ainda tentei limpar mas aquilo só espalhou e borrou o desenho que ela tinha feito a caneta preta e quando tirei a mão ainda lhe toquei nas mamas e tive uma erecção que se notou e desatei a chorar e fui para casa a correr. Achava que tinha fodido tudo. Mas no dia seguinte encontrámo-nos à hora de almoço. Eu almoçava em casa. Ela não. A mãe dava-lhe dinheiro para ir ao Centro. Mas tinha-se esquecido do estojo de desenho. Eu tinha a minha t-shirt de Manowar. Ela uma dos Dead by Death. E eu virei-me para ela e digo "granda primeiro álbum..." e fiz uma pausa e acrescentei "man", porque tinha visto num filme que isto resultava, enquanto dobrei ligeiramente os joelhos e fiz o símbolo da Hang Loose com uma mão e ela "isso é do surf" e eu comecei a chorar e fui para casa a correr. Quarta, levei a minha melhor t-shirt. Dos Morgororororororoth. Do concerto em Cascais. E quando ia falar ela aponta-me para mim e diz "curto" e eu "como sabes?" e ela "a banda" e eu "pensava que já sabias daquilo das piscina" e ela "o quê?" e eu comecei a chorar e quando ia começar a correr para casa ela disse "chamo-me L." e eu disse que me chamava Artur mas que os meus amigos me chamavam Artur e ela disse que era a mesma coisa e eu disse que o segundo era inglês e ela perguntou qual era a diferença e eu disse que era na maneira como se pensa no nome e ela vira-se para mim e diz "esses não são nada maus" e apontou para a minha t-shirt e eu viro-me para ela e eu disse que curtia mais do segundo álbum e ela disse que também preferia o segundo mas que a melhor música deles era a última do primeiro e eu "aquela do solo que vai assim neun neun neuuun neuuun neun neuen neeuuuun?" e ela "essa mesmo!" e eu continuei "neeeun neneneunuenune neuuuun enuuuun enueeeenueeeeueeenuen" e inclinei assim o corpo como se estivesse nos Iron Maiden a tocar guitarra e ela começa a fazer headbanging e eu a tocar air guitar e depois ela faz stage diving do cimo do banquinho da paragem de autocarro e bate de testa no chão mas levanta-se num salto e diz que não doeu e eu faço aquele simbolozinho do metal com as mãos e digo "metalapioress, modarfucars" para os gajos do outro lado da rua e ela "rock on!" e eu "tan tan taaan tan tan tannaaan tan tan tannn tan nanan" e ela "g'anda malha" e eu "iá" e ela pergunta se vou ao irc e eu digo que sim e ela pergunta qual é o meu nick e eu digo que é Zorthor e ela diz que é LadyBathory4 e eu pergunto "então mas porque não sem o 4?" e ela diz que já há três e eu "então e tentaste com underscore?" e ela diz que não se lembrou e quando foi ver já estava registado e que as pessoas depois ficaram a conhecê-la assim e eu disse que percebia completamente "mas completamente, ‘tás a ver, iá?" e ela disse que sim e eu "as pessoas costumam dizer assim 'Artur, tu compreendes' porque sabem que é verdade e eu costumo dizer 'pois compreendo, pois compreendo' mesmo quando não compreendo mas eles não sabem porque eu franzo as sobrancelhas e arqueio mais ou menos uma como se faz nas telenovelas com aqueles actores/modelos/empregados de bar do Bairro Alto/lojistas" e os olhos dela brilharam porque sempre procurou compreensão numa pessoa e viu que de mim podia ter isso e ela "sou op do #blackmetal" e eu "cool" e depois ainda acrescentei "apanhas o 32" e ela disse que sim e eu disse que também apanhava e depois acrescentei "o 32" e ri nervosamente "porque não queria que achasses que sou paneleiro" e ela "tens alguma coisa contra?" e eu disse que não compreendia mas que respeitava e ela percebeu que eu era dos que respeitavam e também disse que sabia que eu apanhava o 32 e eu "como assim?" e ela "és o gajo que começa a chorar sempre que começas a falar comigo" e eu disse que era o meu irmão gémeo que fazia isso e ela disse "yeah right whateva i do what i want" e eu "e gostas de Judas Priest?" e ela "iá!" e eu "tan nan nan nananannn nananaan nananan nananananana" e ela "breaking the law, breaking the law!" e eu comecei a fazer air guitar de novo e ela tentou fazer stage diving do banco do autocarro e tornou a bater com a testa no chão e rimos e ela "já foste tipo a Londres?" e eu "não mas tipo Londres é A cidade" e ela "iá, eu ando a juntar dinheiro para ir a Londres" e eu "eu adorava ter nascido em Londres ou então numa música dos Manowar assim no meio duma batalha e eu com uma espada e aqueles calções tipo de pele de bisonte e tipo correntes nos braços iá?" e ela "e depois eu tinha sido presa pelo King of the Wastelands na masmorra do castelo e tu chegavas lá e matavazio" e aí eu soube que não a amava mas continuei "e depois durante o solo eu chegava lá e cortava-o às postas e podíamos abrir um talho depois" e ela "odeio a polícia" e eu "iá, man e eu também, bófias do caralho" e ela "às vezes estou só com os meus amigos e eles vêm e começam a chatear só porque sim" e eu "iá! percebo totalmente! eu às vezes também estou com os meus amigos e estamos só a pintar paredes e eles vêm chatear com se a parede fosse deles, 'tás a ver?" e ela "é isso!" e eu "eu até lhes digo 'até parece que a parede é vossa, duh'" e ela "é, eles acham que podem fazer o querem só porque são polícias" e eu perguntei-lhe que não gostava mais e ela "velhos" e eu "iá" e ela "espero nunca ser velha e morrer aos 27" e eu "eu gostava de morrer num stage diving durante um concerto dos Iron Maiden enquanto estivessem a tocar o Aces High e eu batia assim com a cabeça no chão e ainda ia para o hospital e o Bruce Dickinson ia ver-me e eu virava-me para ele e dizia 'vive o que eu não vivi, Bruce' e depois ele dava-me uma letra nova para eu ler baseada na cena e perguntava-me 'leste, Artur?' e eu 'li, Bruce, li' e aparecia o Bruce Lee na portazinha do quarto a dizer 'chamou?' e ríamos os três de felicidade amarga e depois fechava os olhos e morria a dois minutos para a meia-noite e ele começava a cantar o 'Two minutes to midnight' e toda a gente na ala do hospital também começava a fazer headbanging (menos na oncologia que se limitariam a queixar-se por Deus os ter feito ter cancro)" e ela "mai-den! mai-den!" e eu disse que tinha uma guitarra e ela perguntou-me o que sabia tocar e eu disse que disse que tinha uma guitarra e não que sabia tocar mas que ia aprender e ela "ah" e eu disse que o meu primo sabia e que me ia ensinar e que tinha uma banda (o meu primo, não eu - e também lhe disse isto) e ela "fixe" e eu "moras por aqui?" e ela disse que morava nos prédios ali do bairro social "mas por opção" e eu "como assim?" e ela disse que o pai tinha ganho o Totobola mas que estava à espera do dinheiro e que tinham ido para ali enquanto não encontravam um sítio melhor e eu "ah, então mas isso não paga logo?" e ela "sim, mas houve uns problemas" e eu "quando o meu primo foi à Casa Cheia aquilo estava tudo feito para ganhar o tipo do bigode" e ela disse que era isso mesmo que estavam a fazer com o pai dela e eu não percebi e ela explicou-me usando advérbios de modo e eu continuei sem perceber e disse que não fazia sentido nenhum e ela disse que tinha velas no quarto que acendia de noite e cantava London After Midnight à janela e eu disse que a minha irmã era gótica e ela "adorava comer uma gótica" e eu disse que tive uma namorada que era gótica e que uma vez íamos nós de viagem e tivemos um acidente ela morreu-me nos braços enquanto cantava a música favorita dela e ela perguntou se eu tinha carta e eu disse que não e ela "então estás a inventar?" e eu comecei a chorar de novo e ela "não bazes" e eu não bazei e ela olha para mim e diz "não tens de inventar" e acrescentou que gostava das pessoas como elas são e eu ia dizer que tinha sido baterista dos Moonspell no primeiro álbum mas depois lembrei-me que os Moonspell ainda não existiam e perguntei-lhe se queria ir a pé e ela disse que sim e começámos a ir e eu disse que também tinha umas Docs mas hoje tinha optado pelos Reebok porque estava mais do metal e ela disse que usava as mesmas Docs há 3 anos e que tinha comprado dois números maiores e que metia papel higiénico enrolado para ajustar e eu perguntei se aquilo não saía do sítio e ela disse que não porque com o suor depois colava e formava assim uma pastazinha fixe e confortável e eu fiquei com nojo e nunca a deixaria dormir na minha cama porque aquilo tinha pé-de-atleta escrito all over e ainda para mais devia ter unhas daquelas amarelas que parece que existem em duas camadas e parecem aperitivos quando se soltam do resto do pé e vai daí disse-lhe que o melhor era usar sapatos abertos sempre que pudesse e andar de chinelos em casa e ela disse que também tinha mas preferia botas e eu disse que preferia ténis por causa da ganga elástica e ela perguntou se era verdadeira e eu disse que sim e deixei que tocasse e ela perguntou se não me doía nos tomates e eu disse no início sim mas agora já não desde que não usasse cuecas e ela tirou a mão e eu devo ter corado muito e disse que amarelo era da cerveja e tentei lembrar-me se ela já me tinha visto de costas e depois eu disse que o que gostava mesmo era de coletes e que estava a pensar comprar um e andar sem nada por baixo mas que primeiro tinha de rapar os ombros com a gillette e ela disse que sim que isso era mesmo boa ideia e que se eu quisesse vinha comigo e eu disse que queria e ficámos em silêncio um bocadinho e ela perguntou se eu não odiava estes silêncios e eu disse que não até porque ela não era nenhuma Uma Thurman e ela começou a chorar e eu perguntei o que tinha e ela disse que eu era muito estúpido e eu disse que era verdade, que ela não era nenhuma Uma Thurman mas que eu podia gostar dela na mesma que não valia a pena chorar por isso e ela começou a falar dos planos que tinha para o futuro, que queria pintar e viver da pintura ou da poesia e escrever livros sobre vampiros ou até um livro tipo Senhor dos Anéis mas em melhor e com mais personagens e passado no Alentejo e que queria ir estudar para Sintra e eu disse que Sintra não tinha Universidade e ela disse que não importava porque queria era aprender na escola da vida e eu percebi e olhei-a. Tínhamos chegado. Perguntei-lhe que ia ter e ela "Desenho e depois Estudos Sociais, e tu?" e eu disse que ia ter Biologia e depois furo e depois EF e ela perguntou-me se podia esperar por mim para irmos para casa juntos e eu disse que sim e quando dei por mim, estava na aula de Biologia a escrever o nome dela dentro dum anel aromático de Difenilmetano. Estava apaixonado.
sexta-feira, 5 de junho de 2009
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50 comentários:
iac
(para dizer a verdade ainda não li, mas eu leio.)
não li mas acho que avistei um "bilogia" suspeito...
no meu tempo os hidrocarbonetos davam-se em química...
a cena de maiden...
muito bom, dédé
Foda-se, até que enfim!
Por mim, apagavas tudo o que fosse pseudo-conversa-de-ir-ao-cu do blog e ficavas só com isto.
É nisto que és bom.
O resto é "conversa".
pá, tá bom mas consegues bem melhor:|
as punch lines têm graça, as conversas no msn, no facebook e no gmail tb mas, sou fã dos teus textos e é por isso é que vou passando por cá.
já agora, dá-me a sensação que quando tinhas 17 ainda não se dizia "duh"... ou então foste tu que inventaste.
Se o perfil que tenho da tua pessoa está correcto, diria que tu és gajo para narcisisticamente te releres.
E digo isto porque os erros ortográficos que te ia apontar "misteriosamente" desapareceram.
Nada contra.
Tudo a favor.
concordo com o nuninho,
http://sobpressaonaoconsigo.blogspot.com/2009/01/o-anjo-exterminador.html
bem melhor
oh foda-se. os radiohead tb nao fizeram o ok computer de novo, pois nao? então não chateiem.
o google docs não tem corrector:\
Porra, estava a ver que nunca mais vinha um texto destes, como antigamente!
Finalmente sinto que a demência de ler o teu blog diariamente à procura de um post destes...se justifica! Parabéns!
HAHAHAHA
AnjoAzul, concordares cmg é um começo de uma grande relação:|
E... eu só não tenho companhia amanhã à noite, porque tu não queres:|
Nuno... concordo
o ovo com salsicha era claramente melhor..
E eu comecei a chorar mas foi de rir. Só não percebi aquela parte do cancro. Então isso vem com deus? É um bónus? Vais ter que me explicar outra vez... :/
lol o IRC!!! Mto Bom!! ;p
foda-se, lindo. quase que lacrimejei.
bom texto.
Priceless.
Concordo que não é o melhor que já escreveste (quanto a mim é aquela "peça" em que o Nuno Makl até te enviou um mail), mas não deixa de estar brilhante.
Em suma, és o maior (e adoras lê-lo nestes comentários)
Anónimo 2
Já tinha saudades destes textos.
muito bom o texto... parabéns anormal
Foda-se!! Não dá para resumir? É que com tanto "e" perdi a vontade...
Isto é lindo. :)
No meio deste tl;dr todo (a esta hora, por mais engraçado que seja, é sempre tl;dr) fiquei-me com aquela... Não tem assim tanta piada.
Ok, tem. Dizer aquilo dá-me vontade de desatar a chorar. E ir para casa a correr. Derp
Acho que até o Bruce Dickinson se riu com este post.
Fantástico.
Não sei o que andas a fumar mas parece que é bom.
A única cena é que quando tinhas 17 anos ninguém poderia ter o ar de empregado de bar do bairro alto.
A menos que, agora, tenhas 20 anos.
são anacronismos propositados a ver se vocês estão atentos e lêem tudo até ao fim.
Adorei as partes : tan nan nan nananannn nananaan nananan e claro enuuuun enueeeenueeeeueeenuene!
Agora a sério adorei:)
Assino:a-da-horta
Foda-se Juvenal, não me digas que eras o Necrosavant.
legendary
O melhor anacronismo que tens neste post é "e eu ia dizer que tinha sido baterista dos Moonspell no primeiro álbum mas depois lembrei-me que os Moonspell ainda não existiam e perguntei-lhe se queria ir a pé".
Está excelente! :)
Buédafixe!
Saudades de um texto longo e denso para quem, como eu, te lê as cenas, então cinéfilas, desde o Cenozóico.
Onde é que arranjas tempo para escrever tanto?
E o pessoal com 17 anos é todo estúpido.
durmo menos uma hora.
Ainda estou a tripar com este texto. É que ainda por cima a Uma é A minha mulher fetiche.
(Mas gosto é de gajos, entenda-se)
Mau, mas mau.
genérico para o intro do filme:cinderela do carlos paião (numa versão indie, claro...)
andas a experimentar novas coisas está claro
Faço minhas as doutas e sábias palavras do Sr. Dum-dum.
Belíssima posta!
E então? Depois ela comeu o teu melhor amigo? :P
Muito bom!
"...tu chegavas lá e matavazio" e aí eu soube que não a amava mas continuei"
Muito bom ;-)
Clap! Clap! Clap!
De pé.
Valente alusão a uma figura mitológica da cena metal portuguesa... clap clap clap :)
Claramente verão de 1994, casacos de ganga uniform com estampas montleycrew e skid row. a gaja do metal e o puto que é neles mas que até é fixe, mas como é inteligente e timido não se adapta mas gostava, sofre em puto... mas aprende e consegue dar a volta, o que não aconteceu ainda contigo... bora miudo! estou ctg!
adorava ter percebido se me estás a elogiar ou se te estás a armar em engraçadinho. mas os erros ortográficos, a falta de pontuação e a incapacidade de construção frásica impedem-no.
é só o josé vidente a mandar umas bejarda :) telegrama style...
Nice one, juvenaldo.
boa, man.
Épico.
Mas olha lá... levavas Caprisone para a escola aos 17 anos?
sim. eu era mt "desprecoce".
é bom, é!!!
mas ler de rajada, quase sem pontuação e sem retomar o fôlego é ainda melhor.
Vim à estreia e fiquei fã.
Sem oxigénio no cérebro, mas fã.
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