Esta história passa-se quando as coisas ainda custavam em escudos. O escudo era a moeda de antigamente. Com que se pagava os cigarros sem filtro (“Kentucky? Kentucky não temos. Temos é Kentucke”) comprados na Estrela do Lumiar (que era o café do Sérgio e que depois as pessoas diziam “desde que fizeste obras no café que achas que és o maior”), os chocolates e as sandes de ovo do senhor Eduardo. A Estrela do Lumiar tinha os piores bitoques. Mas fizémos questão de lá almoçar dois períodos. Em parte porque tínhamos vergonha de nunca mais lá aparecer e passar apenas à porta e olharem para nós como os tipos que antes vinham cá mas agora acham-se muito bons, os fidalgos. O pessoal mais fixe ia ao Centro Comercial do Lumiar. Comer hambúrgueres com cebola.
Joaninha gostava muito das sandes de ovo do senhor Eduardo. Fazia sempre delas almoço. Isso e um Caprisone. De maçã. Tinha nojo de ir à cantina desde que o Jorge lhe dissera que a comida era feita com os restos dos que trazem comida de casa. Sempre tudo picado e com esparguete. Nos pratos de plástico e com os garfos ainda com pedaços de couve naquele bocado onde os dentes dão a curva. As sandes de ovo do senhor Eduardo tinham salsicha cortada às rodelas. “Porquê?” - perguntou a Joaninha- “Porque não mete a salsicha só depois?”. O senhor Eduardo disse que gostava muito de meter a salsicha depois e fez *shhlheee* puxando a saliva de volta dos cantos da boca para dentro e *mmmti mmmti* para saborear depois e apertou aquela covinha a seguir à glande entre o polegar e o indicador, por trás do balcão. Sem ninguém ver. Joaninha riu-se e pensou que gostava mais da salsicha de fora sem nunca se aperceber da carga sexual do diálogo que acabavam de ter. Mas não disse nada. Muito menos imaginou que, um dia, o senhor Eduardo haveria de a esperar à saída da escola com a faca de cortar o queijo e as unhas das mãos (“que era só para assustar”, como diria mais tarde no interrogatório) e violá-la até lhe deixar o cu em sangue e deixá-la, abandonada, atrás do contentor de reciclar os plásticos. Com as cuecas de algodão pelos joelhos, empapadas em sangue, esperma e bocados de sandes de ovo com salsicha e fezes, pois eram quase quatro e vinte cinco. Quase a hora a que costumava ir cagar. Não se apercebeu muito bem do que aconteceu. Pelo menos até, no hospital, o pai dela dizer “claro que dói. Levaste aí com uma verga”. Mas isso garantiu-lhe que tinha sido a primeira da turma a fazer cu. A Marta Dias, invejosa, dizia que não tinha contado. Porque não sei o quê e não sei que mais de o senhor Eduardo ser velho e não ter havido consentimento e mais não sei o quê.
O senhor Eduardo gostava de cus apertados e sem pêlos. Bem tinha dito à mulher: “corta lá isso que, quando aí vou a seguir a cagares, parece leite coalhado”. Ela ignorou-o. Afinal já eram casados há mais de vinte e cinco anos. Já não interessava. Já nada interessava. Faziam sempre com ela por baixo, enquanto lia um livro. Tinha acabado bibliografias completas assim. “Demorei três quilómetros de pila a ler o último da Isabel Allende”. Costumava dizer às amigas. Deixava-o aviar-se para não levar nos cornos. Já nem o entrançava com as pernas. Deixava-se ficar. Quando ele se vinha, depois de ofegar alarvemente em cima dela e dizer “coisa boooa”, deixava-o escorregar para o lado e sentia-lhe o pénis húmido e curto na perna e esperava que começasse a ressonar para, depois, se deitar de lado. Apertava bem as pernas até se ouvir *prfft* e sentir o esperma quente a escorregar-lhe da reganheira para cima da cama. Contava até duzentos. Ou melhor, duas vezes até cem. Porque até duzentos perdia-se. Duzentos era o tempo que demorava até embeber os lençóis. De manhã estava seco e gostava de fazer estalar o lençol, como se fosse aquelas bolinhas de plástico que vêm nas encomendas de coisas da tecnologia e que as pessoas gostam muito de estalar, ou de raspar com a unha e tirar bocados inteiros que depois deixava cair no chão de tijoleira onde fazia *criic*. Já não se levantava para ir lavar. Nem mesmo com um lenço. De manhã saíria o resto. Quando fizesse força para cagar. Sempre de manhã, a seguir às torradas com doce de abóbora que a mãe lhe enviava todos os verões da terra (o doce, não as torradas). Cagava bolinhas que pareciam cachos de uvas siamesas e faziam *ploc* ao cair na sanita. Chorava e costumava lembrar-se de quando eram felizes. Quando saíam todas as noites para ir beber um bagaço e uma meia de leite, a seguir ao jantar, ao café do Antunes. Como o senhor Eduardo lhe apertava a celulite por cima das calças de fato de treino e lhe metia um dedo no cu, na frente do balcão, enquanto pedia. “Era um bagaço e uma meia de leite aqui para a madama”. E usava esse mesmo dedo, porque tinha aderência, para tirar a nota de quinhentos do elástico com que pagava. Sentia uma comichão lá em baixo. E esperava ansiosamente que voltassem para casa para fazerem o amor. Quando ainda não tinha lavado os dentes, faziam o amor com a boca, como lhe chamava. E cuspia esse amor para o penico por esvaziar, já de vários dias. O cheiro a urina acalmava-a e desentupia-lhe o nariz. Às vezes, deixava que lhe fosse ao cu. Mas nunca se vinha lá dentro porque não queriam um filho preto. Às primeiras sextas de cada mês, iam jantar um bitoque e uma garrafa de Casal do Verniz. O senhor Eduardo gostava de molhar a carcaça no molho que ficava no prato. Na brincadeira dizia, “ó Antunes, pode já metê-lo de novo no armário”. Pagava duzentos mérreis por um whisky novo e dizia sempre “que granda pomada que aqui tem, ó amigo Antunes”. Sabiam que eram feitos um para o outro porque não tinham os dois o mesmo dente a seguir ao canino, em cima. Dava para prender o cigarro ou o lápis enquanto faziam, juntos, a contabilidade do café da escola. “Setecentos mérreis e vão dois, com nove faz vinte e quatro”. Desde que fazia sandes de ovo na frigideira redonda dos bifes grandes “como os meus”, dizia a senhora senhor Eduardo, na brincadeira antes de bater “lá em baixo” com a mão aberta e fazer *flop flop flop*, que o lucro tinha vindo a aumentar. Cada oveleta dava para catorze sandes. Ou, como o meu avô gostava de dizer “oito e sete é catorze ou quatorze?”. Era quinze. Dava sempre para rir um pouco. Pelo menos até a minha avó ter outro AVC durante o jantar e termos de ir buscar os cabos de carregar a bateria para pô-la de volta connosco. Catorze sandes porque as dos cantos só davam para uma. Se é que uma frigideira redonda tem cantos. Mas não tinha pensado nisso até este ponto e não me parece boa ideia voltar atrás com isto tudo. Até porque é menos um parágrafo e isto de ter ideias assim não é todos os dias e não me quero sentir outra vez vazio como os tomates de um preto depois de se vir durante um gang rape. Gang rape é redundância. Toda a gente sabe que os pretos, quando se vêm, é durante violações em grupo e a fazer “fffffáaaaaaaaaa” com os lábios gigantes onde tropeçam com os ténis de jogar o basket a feder a chulé.
O senhor Eduardo era boa pessoa. Tinha princípios. Limpava sempre a unha do dedo pequeno depois de dividir a oveleta em catorze. O seu pequeno canivete suíço, como gostava de dizer, na brincadeira. Com um palito e uma cotonete com acetona. Aparava também as peles do dedo do meio (“o dedo da Maria”) com um corta-unhas com o galo de Barcelos para não arranhar. Costumava cheirar por baixo da unha, quando tinha saudades. O cheiro a cona e a alho são dos mais difíceis de tirar. Dos dedos, pelo menos. Eu sei porque meto sempre alhos em tudo e depois passo o dia a cheirar. E, quando guiava a seguir a um finger fuck (para aí em 1995 ou 1996), fazia-o sempre de mãos abertas e dedos esticados porque, muitas vezes, o carro não era só meu e eu também sou um tipo com princípios e, das duas uma, ou tocava só assim por cima das cuecas sem fazer muito *schloc* *schloc* ou se metesse assim até aos nós, passaria sempre as mãos pela água do repuxo dos limpa-pára-brisas. Era um homem pacato, amigo do seu amigo. Com um emprego honesto que contava passar ao filho. “Eduardo e filho, sandes de ovo” ou “Eduardo das sandes de ovo e filho”. Ainda estava por decidir. Gostava mais do segundo. Mas o primeiro dava mais ênfase ao filho. E toda a gente sabe que a família é o que mais importa. A família e os valores e essas cenas.
Foi um choque quando aconteceu. Quando o vieram buscar. Ainda tapou a cabeça com o casaco de ganga. Como via na televisão sempre que iam buscar um violador. Mas isso destapou-lhe a camisola que dizia “Eduardo das sandes de ovo”. E toda a gente pôde ver quem era. A sogra disse logo “ele a mim nunca enganou”. Como se soubesse que seria este o seu fim.
O julgamento foi curto. O senhor Eduardo ainda se defendeu. Mas frases como “ela gostou” e “alguém tinha de ser o primeiro” não caíram bem na sala. Não mostrou nunca arrependimento. Acabou por se suicidar com seis facadas no peito. Duas delas no coração. O seu café da escola fechou. Agora só se podia comer na máquina. Joaninha foi para a universidade. Tirou um curso qualquer daqueles que não dão para nada e sempre que levava no cu recordava-se do sabor das sandes de ovo do senhor Eduardo. Nunca lhe tinha querido mal.
À senhora senhor Eduardo já não restava nada. Estava velha e enrugada do sol dos verões que passavam no avançado da cunhada na Costa da Caparica. Tinha comprado o amor em plástico. Mas no fim chorava sempre. Sentia falta do seu Eduardo. Sentia falta do seu esperma quente a pingar-lhe da cova do amor.
domingo, 15 de junho de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
35 comentários:
juvenal, continuas a ser o maior!!!
Fogo! ke história tao linda XD
epah... cum caralho....
tás muito melhor fodasse! N
ao que tivesses mal, mas esta foi sem duvida a mais bela.Parabéns!
Os B52's sentir-se-iam orgulhosos se soubessem que a musica deles deu titulo para um post tão genial.
Rock and Roll Juvenal
Eu sei que às vezes venho aqui enxovalhar-te porque acho que, por muito bons que sejam alguns dos teus posts, acho sempre que já escrevi melhores. Mas este é diferente. És o maior, meu paneleiro de merda!
juvenal FTW
"Toda a alma tem uma face negra
nem eu nem tu fugimos à regra"
Sinto repugnância por este tipo de temas, mas não consegui deixar de ler até ao fim. Talvez porque és muito inspirado, juvenal. Pena seres tão imoral. Na verdade, anormal.
Deviam ensinar o Juvenal O Anormal nas escolas com este texto como leitura obrigatória.
Cuecas 100% algodão costumam livrar as pessoas de problemas. Tipo micoses, assaduras, STDs, e isso.
Escolha acertada, Joana.
meu, GENIAL!
Mais uma vez, épico
Tás lá, sim senhor...
...se elas ainda assim não te pegarem, andas a dar-te com as pessoas erradas!
Sim senhor. Esta muito bom.
So nao gosto que gozes tanto com os pretos.
Eles ate sao fixes.
Toda a gente devia ter um.
E cérebros também, toda a gente devia ter um.
foda-se meu!
e o que é feito do jorge?
ta' do cacete (o texto, não o pão).
;>
este gaijo ainda ganha o nobel da literatura
o jorge há-de ter um post próprio.
foda-se... se fosse um decumentário a seguir aos "caçadores de mitos" e com banda sonora da Enya...levavas um globo de ouro
Até me veio a lágrima ao olho... direito.
ola!
Eu sou um representante do blog http://futreal.blogspot.com/ nos gostariamos de saber se estao interessados em adicionar o nosso link à vossa lista de interesses. Gostaríamos de fazer o mesmo.
O nosso blog é generalista com pendor desportivo e trabalhamos para vir a ser alguma coisa de jeito, não existimos há muito tempo, e achamos que o melhor caminho para o sucsso é a cooperação inter-blog.
muito obrigado!
meu, vês algum blog na lista de interesses?:|
Porque raio haveria esse de vir para a lista de interesses deste?:|
Confesso que já sou fanática por este blog mas desta vez lamento dizer que teve muita vulgaridade e violência baratas, não que me choque facilmente até gosto de Sade,a minha BD favorita tem um teor altamente escatológico e sexual(ver meu blog (post "rir é como..." se assim o desejar)li todos os livros que pude sobre serial killers,gosto de Tarantino,etc mas já vi aqui maneiras mais engraçadas de descrever fluidos e tudo o mais, o resto está grandioso como sempre mas não me leve a mal se lhe disser que quando se fala demais e de determ. maneiras destes assuntos estes mesmos perdem terreno para adjectivos passiveis de serem atribuídos a pessoas pouco inteligentes, que não é o seu caso, de todo, falo da cena dos "pretos" que aqui começa a ser "demodé" e cliché e banal pelo desprezo com que parece citá-los, nos tempos que correm temos de ser
melhores neste tipo de humor, fazê-lo mas com imparcialidade, eu própria não perco uma oportunidade para uma boa piada sobre (e sou de origem africana)!!!E já aqui fiz prova disso em comments aos posts(que adorei) sobre o "Stevie". Aliàs, existem 3 coisas que um preto não pode ter, lábio inchado, olho negro... e um emprego!!! não me leve a mal, respeito e admiro muito a seu estilo por isso desejei deixar a minha opinião, esta é apenas dirigida a si pelo que se não desejar concordo que não a publique.Contudo parabéns!
Eu por mim...és genial. Mas eu já não raciocino.
MJ
Acabei de ler (praticamente) todo o teu blog... N percebi foi se sou eu q tenho demasiado tempo livre, ou se gosto do q escreves...
Talvez seja um pouco das duas! Pq acabei por me rir sozinha...
Continua o bom trabalho q eu continuo a visitar!
Beijo *
Teresa
Isto é oiro meu bandido!
Perdeste te um bocado mas teve piada. Escusado será dizer que nao me apetece comer sandes de ovo tao cedo blek
Os efeitos sonoros são muito bons. Com este texto nasceu a literatura multimédia.
O mais bonito conto de amor cão que li em muito tempo. O teu estilo está a apurar, anormal.
desta vez excedeste-te.
da primeira vez que li até as mãos do senhor Eduardo, imundas, cheirando a omelete, senti, percorrendo todo o meu corpo...
(parabéns)
É este tipo de diarreias mentais periódicas desse anormal do juvenal que me fazem vir... aqui ao blog com regularidade. Já tens agente, pá? Quero estar lá a ganhar a minha comissão quando o Herman te apalpar a bilha durante a entrevista, ou largar a lágrima e ganhar a minha comissão quando o professor Marcelo mostrar "Juvenal, O anormal, o livro" na televisão durante um dos seus delírios semanais, ou ainda aplaudir e ganhar a minha comissão quando a Manuela "boca abafa-gaitas" Moura Guedes te entrevistar durante o Jornal Nacional e tiver que chamar os seguranças em directo e em horário nobre para tirarem da boca dela e te meterem o marzápio* para dentro das calças e esbofetearem e expulsarem dos estúdios. E ganhar a minha comissão. Temos negócio?
* o.m.q. bacamarte, mastro, pescoço de ganso, verga, barrote, enraba-curiosos, surdo, mudo, serpente-zarolha, estaca, para as virgens que falam muito nos comentários, mas fazem pouco na vida real.
Juve,
já imaginaste a quantidade de gajedo que leu o post e que embora garantam que nao levam no cu, tenham ultimamente pensado muito em sandes de ovo?
Se não esfregares as mãos e as passares só por água (sem esfregar) o cheiro do alho sai bem...
Enviar um comentário