sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

evil twin

Ali.

Eu sou daqueles que acredita que todas as pessoas são boas em alguma coisa. Eu sou bom a não prestar atenção. Sofro disto desde que me lembro de me distrair. Antes não havia medicamentos nem diagnósticos para estas coisas, então os professores achavam só que eu eu era calão e que não me esforçava. Em verdade, só não estava a prestar atenção. É por isso que quase toda a minha escola foi esquecida. Sei somar os números de um algarismo. Multiplicar de cabeça. Ainda hoje sou eu que divido a conta do restaurante quando já está tudo a tirar os telemóveis e arredondo à décima e fica tudo a olhar e a pensar que eu sou uma máquina de calcular humana. Mas não. Sei os Afonsos, os Sanchos e o D. Manuel II. Sei que há o D. Dinis do pinhal e das canções. O D. Pedro que arrancou o coração aos maus que lhe mataram a biatch. Um D. António que ninguém sabe muito bem se foi rei ou não. Um D. Miguel que tem as marcas dos sapatos numa sala do Convento de Mafra. Sei os presidentes da República. Sei o que são células e protozoários. Tripanossomas. Que são merdas que se enfiam no coração da gente e um gajo depois fica maluco e vive muito menos tempo e não dá para tirar porque é como se se metesse em sítios onde não chegam pinças ou bisturis. Nem de futebol percebo. Quando o Secretário foi para o Real Madrid, as pessoas só diziam “iá, iá, vai mesmo tirar o lugar ao Panucci” e eu sabia lá quem era o Panucci. Parecia marca de café. Não sei dos impostos que vão subir nem das TAEGs nem mais o caralho. Aquando do meu primeiro cartão de crédito, achava que ia ficar a dever dinheiro a toda a gente e que ia sempre pagar juros altíssimos e acabar na miséria. E ia perder o número, como se ele saísse do cartão e fosse apanhar um táxi de volta lá para o sítio de onde vêm os números de cartões de crédito. Depois acho que toda a gente tem razão. Razão que muda sempre que oiço cada uma das partes. Sou muito fácil de convencer porque acho que as pessoas estão a dizer a verdade e então tudo faz todo o sentido. Mas há sempre quem se lembre que o não sei quantos agora arma-se em defensor dos pobrezinhos mas ninguém fala é da casa que ele tem não sei onde e que aquilo era reserva natural por causa de uns mosquitos de quatro asas que estavam a desaparecer não sei de onde e depois passo a achar que essa pessoa é que é má e que os outros é que são os bons. Como um jogo de ténis em que o amortie me convence com toda a razão do mundo. Depois tarifários e ISPs. Concertação de preços. Habeas corpus, que para mim tinha a ver com mortos e afinal é uma coisa que se pode pedir, mais ou menos como uma pizza. O nome do presidente da Federação. Gilberto Madaíl. O anterior não sabia. Para mim, quando fui ver um jogo da Taça de Portugal com o Marítimo, que muitos dos que lá estavam achavam que era a ponta do iceberg mas a mim mais pareceu a ponta do Titanic, e começaram a gritar pelo Vítor Vasques (que parece mesmo o irmão mais velho do Madaíl ou então é só preciso aquele look para se estar na Federação) para ele ir para o caralho. Eu não sabia quem era. Mas também o mandei para o caralho, com tanta vontade que parecia mesmo que ele tinha feito mal à minha família ou violado a minha irmã sem ter sequer a decência de telefonar. Gritei apenas porque estava numa de male bonding e nunca quis tanto integrar-me. Achava que um gajo que se farta de aparecer na televisão por causa da crise que eu ainda não me convenci que existe, tinha sido meu professor na faculdade. E nem sequer são irmãos. Nem o último nome é igual. Fazia-me confusão que Jesus tivesse nascido em Belém. Porque Belém tinha os pastéis de nata e não se parecia nada com o sítio onde a Bíblia dizia que Ele tinha nascido. Havia garagens e paragens de autocarro e homens de fato-macaco e aquilo não parecia ter jeito nenhum para se escolher para nascer. E porque é que ninguém lhe tinha emprestado um sítio para ficar? Não faltam pensões em Belém. Aquilo soava-me tudo a má vontade. Ainda para mais, se era um gajo tão importante, até haveria de compensar a quem desse um colchão e uma manta para a Maria parir. E depois os reis magos. Vir de camelo não sei de onde até Belém? Não era mais fácil apanhar um táxi? Para mim, Belém era como é hoje. E Tróia e aquilo do cavalo? Tróia era os hotéis. E as praias e o peixe assado. As conquilhas e o cagalhão que um gajo pode mandar na covinha numa praia onde não há ninguém e tapar com uma pá. E o Fausto, o cantor, que vendeu a alma ao diabo. E os outros cantores todos que eram comunistas e eu achava que os comunistas o que queriam fazer era tornar isto num regime em que ninguém podia falar mas que se podia cantar o que se quisesse porque como era a cantar as pessoas ficavam contentes e então não ligavam tanto à mensagem. E depois os comunistas queriam era meter toda a gente a receber o mesmo e a trabalhar na metalurgia. Para agravar o meu estado de desatenção e facilidade de convicção, havia pessoas que me diziam coisas que me levavam para outro nível. Nas eleições do Mário Soares e do Freitas do Amaral e do Salgado Zenha e da Maria de Lurdes Pintasilgo, a Idalina - que era empregada da minha avó, de segunda a quinta, e dos meus pais, à sexta - disse, quando a Maria de Lurdes Pintasilgo teve menos de 1% dos votos, “então aquelas parvas da minha terra não votaram nela?”. E eu achei que ou éramos muito poucos ou a Idalina era dum sítio como a cidade do México ou Nova Iorque, que o meu vizinho Gustavo apostou comigo que era a capital dos Estados Unidos e eu dizia que era Washington e fomos confirmar com um senhor que meteu gasolina no carro da mãe dele ali numa oficina que havia ao pé de quem vem da Estrada da Torre para a Estrada do Desvio e ele disse que era Washington e o Gustavo ficou a dever-me mil contos que nunca pagou, e que lá as mulheres votavam por muitos e faziam as pessoas ganhar eleições. Depois fingi que gostava de europeus e mundiais. Comecei no México. Sabia quem era o Jordão, o Damas e o Bento. No Euro 88, lembro-me do Rijkaard que aparecia como jogador do Sporting e nunca jogou, esteve cá apenas a aquecer o banco por causa de uns negócios quaisquer dum presidente do Sporting que tinha a mania que era chico esperto. Sabia quem era o Platini, o Paolo Rossi, que era igualzinho a um tipo que morava no meu prédio e que tinha uma moto daquelas das boas e ainda estou convencido que era ele que ia jogar pela seleção italiana e voltava de noite muito depressa para a mulher que era boa, o Littbarski e, claro, o Maradona. Não sabia posições. Para mim eram todos avançados centro. Que era a posição mais importante de todas. Quando surgiu o ponta-de-lança, fiquei perdido. Havia um gajo ainda mais à frente que o avançado? E trincos? O Coiso é trinco, dizia-se. E eu só pensava quantas mais posições iriam inventar só para me foder. Inventei a minha própria posição. O lateral-médio-defesa-centro-avançado-esquerdo. Que jogava à largura do campo e marcava golos na linha lateral. Eu estava era distraído. Se acompanhasse a evolução do futebol, o 4-3-3, o 4-4-2, o 4-2-4 ou o 5-3-2 teria sido muito mais fácil. Foi como a matemática. No 10º ano, tive uma professora que perguntou qual tinha sido a matéria mais difícil de sempre e eu disse que era a trigonometria. Eu gostava era de resolver equações, que um gajo fazia de cabeça, e uma vez até tive um Twix só por despachar quase quinhentas equações numa aula de matemática de duas horas - porque a professora aproveitava a aulas que não devia ser de matemática mas sim duma daquelas disciplinas que servem para formar um gajo para ele não ser mau e dar parte de si a ajudar os outros e os pobrezinhos e dava-nos mais uma hora de matemática. Estava mais interessado em saber a que saberiam as sandes de ovo e salsicha que o senhor Eduardo vendia no bar da escola. Sandes que o Banha atirou ao chão das mãos de um miúdo. O senhor Eduardo ficou fodido. E entre cortar o Banha ao meio com a faca de cortar o queijo ou dar outra sandes ao miúdo, optou pela segunda. E a que sabia o whisky. E os cigarros. O SG Filtro, que era o que se fumava na altura. Havia provas finais que metiam medo. A PGA, que já não tive, e que era de cultura geral e eu só pensava que ia ter pontos negativos, por descontos de estupidez, e nunca ia entrar na universidade. Aprendi cadeiras umas a seguir às outras na faculdade. Comprei uma máquina de calcular. Das boas. Que faziam gráficos. E depois via pretos com máquinas ainda maiores. E pensava que, então, as pessoas realmente inteligentes, deviam usar ábacos. Comprei um ábaco. Passei a Análise Matemática II e Equações Diferenciais com um ábaco, lápis e papel. Expandi em série de Fourier senos e coseno. Depois havia a música a que não ligava. Via o Top Jackpot e tinha a cassete dos Europe. Sabia quem estava no top, semana após semana. Saía na página do meio da TV Guia, que do outro lado tinha um poster dos New kids on the block ou da Samantha Fox, e anotava com um lápis se iam subir ou descer. Os meus anos 80 reduziram-se a isso. E aos Status Quo mais o “In the army now”. Depois veio o metal. E a culpa foi do meu primo que levou uma vez uma cassete que copiei e que ouvi até a fita desaparecer, como uma camisola interior que um gajo usa até só haver a gola e os elásticos das mangas, e que tinha uma música do metal que eu achava que era mesmo isso que queria ouvir. E ouvi metal durante muito tempo. E andava com t-shirts e isso e depois tive de recuperar todo o tempo de música que não ouvi. Ainda hoje ando a recuperar. Mas continuo sem saber nomes de pessoas importantes, como não pagar portagem, como discutir preços, baixar tarifários, perceber de telefones, computadores, carros, marcas de cerveja, ordenar álbuns cronologicamente, dar razão a quem está a falar comigo só para não me chatear nem perder tempo a contrapor. Passei os anos distraído e agora que chego aqui e tenho de escrever isto tudo a pedido e já estou a ficar sem tempo porque disse que enviava hoje. Não sei o que escrever.

6 comentários:

o centro não se percebe bem do quê disse...

Obrigado, Professor. O teu blogue mudou a minha vida. :D

juvenal, o anormal disse...

não sais muito, pois não?

joaninha versus escaravelho disse...

Gostei Juvenal. :)

nightcrawler disse...

Não é D. Miguel que tem as marcas dos sapatos num palácio, nem esse palácio é o Convento de Mafra. É D. Afonso VI, no Palácio da Vila em Sintra.

juvenal, o anormal disse...

ok:|

AEnima disse...

Nem os new kids on the block sao dos anos 80, ja devias ser um teenager bem espinhento qdo tiraste o poster da bravo alema.